Em meio à escassez de doses, o governo do Rio Grande do Sul aguarda decisão do Ministério da Saúde para antecipar a vacinação de profissionais da educação e da segurança contra a covid-19.
O argumento principal apresentado para passar as duas categorias à frente é permitir a volta às aulas (para combater a evasão escolar e o aumento da desigualdade social) e proteger policiais civis e militares que atuam no contato direto com a população, seja para o salvamento ou para a fiscalização de medidas sanitárias.
Professores da educação básica e de universidades, policiais e brigadianos representam mais de 225 mil pessoas em território gaúcho e fazem parte dos 29 subgrupos prioritários definidos pelo Plano Nacional de Imunização (PNI), mas estão atrás na lista para receber uma dose.
Dos 29 subgrupos, trabalhadores da educação básica estão em 19º lugar na fila – o que inclui funcionários de creches, pré-escolas, Ensino Fundamental, Ensino Médio, escolas profissionalizantes e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Trabalhadores do Ensino Superior estão em 20º e as forças da segurança e salvamento, em 21º.
Neste momento, o Rio Grande do Sul vacina, no geral, o 12º subgrupo: idosos entre 65 e 69 anos. Os seis subgrupos prioritários à frente da educação e da segurança são idosos de 60 a 64 anos, pessoas com comorbidades, indivíduos com deficiência permanente, pessoas em situação de rua, população carcerária e funcionários do sistema penitenciário.
A garantia de vacina para professores, diretoras e funcionárias de escolas é uma exigência do Cpers-Sindicato para a volta às aulas presenciais em instituições estaduais gaúchas. A retomada no ano passado teve baixíssima adesão em meio ao medo da comunidade escolar de infecções em crianças.
Se o cronograma de recebimento de doses for cumprido, o Ministério da Saúde estima ter vacinas para todos os 77,2 milhões de brasileiros que constituem os grupos prioritários em maio. Em setembro, o país teria doses para toda a população.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que é a favor de antecipar a vacinação de professores e profissionais da segurança. Destaca, contudo, que cabe ao ministério alterar a ordem dos subgrupos prioritários no PNI.
O governador Eduardo Leite (PSDB) chegou a enviar, no início de março, um ofício ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, solicitando a maior prioridade para professores e policiais.
Com discurso afinado ao do governo gaúcho, o porta-voz do Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Educação (Consed) e secretário da Bahia na área, Jerônimo Rodrigues, afirmou em audiência pública na Câmara dos Deputados na segunda-feira (29) que “defendemos a prioridade da vacinação para os profissionais da educação, mas não temos controle sobre o programa nacional de vacinação, por isso estamos trabalhando com os Estados para tentar reverter esta situação”.
Apesar da declaração, ao menos cinco Estados brasileiros decidiram não esperar por mudanças do governo federal e optaram por mexer na ordem dos grupos prioritários para vacinar antes professores e policiais. Há uma semana, o Pará começou a imunizar policiais militares e civis, agentes de trânsito, bombeiros e outros servidores ligados à segurança pública. O Amazonas começou a vacinar policiais da ativa no domingo (28) e Goiás, na segunda-feira (29).
Em São Paulo, profissionais da segurança começarão a ser vacinados na semana que vem e os da educação, em 12 de abril. O governo paulista declarou que a imunização será concomitante à de idosos e informou a GZH que entende ter autonomia para alterar a ordem de imunização.
No Espírito Santo, os mesmos grupos começarão a receber doses em 15 de abril – o anúncio foi feito horas depois de a coordenadora do Programa de Imunizações da Secretaria Estadual da Saúde afirmar que a diretriz nacional seria respeitada. A Secretaria da Saúde do Espírito Santo afirma que a antecipação da vacinação acontecerá com as doses da reserva técnica encaminhadas pelo Ministério da Saúde. Já o governo do Distrito Federal afirmou que pretende incluir na próxima etapa de vacinação cerca de 50 mil trabalhadores da educação.
A versão mais recente do Plano Estadual de Vacinação do Rio Grande do Sul adaptou a lista do Ministério da Saúde e passou caminhoneiros à frente de trabalhadores de transporte coletivo, aéreo, ferroviário e aquaviário. A SES, no entanto, diz que segue rigorosamente as regras do PNI.
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), que solicita desde janeiro ao governo do Estado e ao Ministério da Saúde a antecipação das vacinas para profissionais da educação e da segurança, questiona a falta de diretriz nacional sobre a possibilidade de alterar a ordem de vacinação.
— Se um Estado pode (priorizar a vacinação de professores e policiais), teoricamente os outros também podem. Se não pudesse fazer isso, a Advocacia-Geral da União tomaria alguma medida. Falta comando nacional, o que causa essas interpretações diferentes. Os municípios não vão fazer, Bagé tentou fazer isso e está sendo processado pelo Ministério Público. A postura parte do governo do Estado, e aqui o Estado pediu ao Ministério da Saúde a mudança no PNI — diz o presidente da Famurs, Maneco Hassen.
Em Bagé, a prefeitura chegou a mudar a ordem de vacinação e aplicar doses em profissionais da segurança enquanto imunizava idosos de 72 a 74 anos. Em resposta, o Ministério Público (MP-RS) instaurou procedimento para avaliar se a decisão do prefeito Divaldo Lara configura crime de responsabilidade.
Na visão do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems/RS), vacinar professores e policiais antes exige o aval do Ministério da Saúde.
— Neste momento em que há um Plano Nacional de Imunizações capitaneado pelo Ministério da Saúde, recebemos a ordem dos grupos a serem vacinados e estamos seguindo as orientações do governo federal. Mas sabemos que professores e profissionais da segurança são linha de frente — diz Maicon Lemos, secretário de saúde de Canoas e presidente do Cosems-RS.
A definição dos grupos prioritários feita pelo Ministério da Saúde levou em conta orientações epidemiológicas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as populações mais vulneráveis e discussões com secretários estaduais e municipais da saúde.
Alterações nos grupos prioritários já foram feitas antes: em janeiro, o ministério incluiu trabalhadores da indústria e de portos. Mais recentemente, na segunda-feira a pasta inseriu na lista de comorbidades o HIV, inclusive para quem tem carga viral zerada (ou seja, quem é soropositivo, mas não passa o vírus).
Outras doenças que fazem parte da lista de comorbidades são diabetes mellitus, pneumopatias crônicas graves, hipertensão, problemas de coração, doença cerebrovascular, doença renal crônica, anemia falciforme, obesidade mórbida, síndrome de down e cirrose hepática.
Ministério diz que há autonomia para Estados e municípios
O Ministério da Saúde afirmou a GZH, em nota, que orienta Estados e municípios a seguirem a ordem de vacinação do PNI, mas diz que, “com a lógica tripartite do Sistema Único de Saúde, Estados, municípios e Distrito Federal têm autonomia para montar seu próprio esquema de vacinação e dar vazão à fila de acordo com as características de sua população, demandas específicas de cada região e doses disponibilizadas”.
A pasta acrescenta que, conforme a campanha de vacinação local avança, os entes federados podem ampliar a imunização dos grupos prioritários, “desde que sigam a ordem prevista no Plano”. Para 2021, diz o Ministério da Saúde, já foram compradas 562 milhões de vacinas.
O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Juarez Cunha, afirma que Estados e municípios deveriam seguir a orientação do PNI porque a definição dos grupos prioritários leva em conta o maior risco de morte para a covid-19.
— Decisões diferentes em diferentes locais confundem a população. Se um Estado vacinar prioritariamente professores e profissionais da segurança, isso gera desconforto muito grande para outros Estados. Profissionais da educação e da segurança já estão entre os grupos prioritários. Pessoas com comorbidade têm maior risco — diz Cunha.
Para interromper a circulação do coronavírus, a SES planeja ser necessário vacinar de 60% a 70% da população. No Rio Grande do Sul, mais de 5 milhões de pessoas formam os grupos prioritários, ou cerca de 45% da população gaúcha.
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