Concebido inicialmente pela prefeitura de Porto Alegre como o início de uma reestruturação completa para tirar o transporte público da cidade da crise, o pacote de mobilidade urbana que chegará à Câmara de Vereadores nesta quarta-feira (30) deverá apresentar medidas consideradas tímidas.
No último dia 15, o Conselho Municipal de Transportes Urbanos aprovou o valor de R$ 5,17 como a “tarifa técnica” de Porto Alegre – trata-se de um valor de referência caso o sistema tenha de bancar seus custos apenas com o que arrecada nas catracas dos ônibus. O primeiro objetivo do pacote é incidir sobre os fatores que compõem esse cálculo, como descontos e gratuidades.
Para se aproximar da tarifa de R$ 4,90 que o prefeito Sebastião Melo deverá anunciar hoje, um dos projetos deve restringir a meia-passagem para estudantes que comprovarem baixa renda familiar junto à prefeitura. Conforme a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), que representa as empresas concessionárias de ônibus, se todos os estudantes pagassem a tarifa integral, o impacto seria de 7% a 8% no valor da passagem. Como alguns manterão o benefício e outros devem deixar de usar o ônibus se o preço dobrar, o impacto deverá ser menor.
A prefeitura deve limitar as isenções aos idosos acima de 65 anos, conforme a Constituição. Podem perder o benefício outras categorias que hoje circulam “de graça”, como oficiais de Justiça, guardas municipais, carteiros e agentes da EPTC.
Cobradores
Outro projeto deve prever a redução gradual até a extinção da função de cobrador até 2026. O impacto do salário dos cobradores sobre a passagem, hoje, gira em torno de R$ 0,85.
Conforme a ATP, é improvável que as medidas do pacote sejam suficientes para garantir que a tarifa de R$ 4,90 banque o custo de operação. Ou seja, a prefeitura teria de arcar com a diferença entre a tarifa da roleta e a tarifa técnica. Na prática, teria de ser negociado um subsídio às empresas por cobrarem dos passageiros um valor abaixo do preço de custo.
– Tanto a tarifa técnica quanto a da roleta são definidas pela prefeitura. O que tende a acontecer é um descolamento entre as duas e a prefeitura bancar a diferença. Não era o que acontecia em Porto Alegre, mas é o que já acontece em muitas outras cidades – declara Antonio Augusto Lovatto, engenheiro de Transportes da ATP.
Empresas
Tendem a ficar de fora do pacote de Melo medidas que tentavam injetar novas receitas para o sistema de transporte, como uma taxa que seria cobrada de empresas para, em troca, bancar as passagens de todos seus funcionários de carteira assinada livremente.
Embora a secretaria municipal de Mobilidade Urbana fosse simpática à ideia, ela foi rechaçada pela de Desenvolvimento Econômico, refratária a novas tributações e receosa de que poderia gerar evasão de empresas da cidade.
Outro motivo do pacote chegar desidratado à Câmara é ele não abranger o que foi debatido com as concessionárias com mediação do Tribunal de Justiça.
No início do governo, Melo propôs que ampla renegociação dos contratos ocorresse por meio de um dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). O que fosse definido na mediação indicaria as diretrizes do pacote de mobilidade. Todavia, o Cejusc vai encerrar os trabalhos nesta semana sem participação direta nas medidas. A principal justificativa é de que a segunda onda da pandemia dificultou cálculos e projeções que viriam desse trabalho.
Economia
Porém, a mediação do Judiciário não foi de todo inútil e apurou alguns denominadores comuns. O Executivo se comprometeu a revisar o padrão dos ônibus de Porto Alegre previsto em contrato. Substituindo ares-condicionados por sistemas de exaustão e repensando materiais de equipamentos como catracas e lixeiras, a ATP estima que se pode chegar a um ônibus R$ 65 mil mais barato.
Outra medida – e o pacote trilha esse caminho – é estipular um teto de isenções de no máximo 20% dos passageiros. Em Porto Alegre, ultrapassa 30%.
Já o sistema de pagamento pelo serviço é menos simples. O Executivo reluta em negociar a remuneração das concessionárias por quilômetro rodado em vez de passageiros atendidos:
– Se forem pagar para circular vazio, também vou querer ter uma empresa de ônibus – ironiza um integrante da secretaria de Mobilidade Urbana, que não quis se identificar.
Como o pacote de leis precisa ser aprovado até o final de setembro para valer em 2022, mudanças estruturais mais complexas no sistema de transporte – que incluiriam a privatização da Carris, se autorizada pelos vereadores – terão de ser debatidas no segundo ano de governo.
Fonte: GZH
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