Desde a criação do SUS, em 1988, até o início dos anos 2000, o Brasil passou por um processo de Reforma Psiquiátrica que teve como um de seus objetivos implementar um novo entendimento sobre os atendimentos em saúde mental no país. Se, antes, as pessoas com transtornos mentais ficavam reclusas em hospitais psiquiátricos, o modelo atual busca fortalecer e preservar os vínculos das pessoas com suas comunidades. Conforme foram sendo desativados os manicômios, os CAPS assumiram o papel de atender pacientes com transtornos graves.
Segundo o psicólogo pesquisador da UFRGS e integrante do Coletivo Adinkra – Relações Raciais & Saúde Mental, Ademiel de Santanna Junior, pensar tratamentos amplos, que envolvam diferentes especialidades, passa a ser a forma ideal de se realizar os atendimentos em saúde mental. A ideia é que, a partir da conversa com o paciente, seja construído em conjunto o processo terapêutico que essa pessoa irá seguir. Desde a unidade básica até os serviços mais especializados, se pretende que o cuidado psicológico envolva equipes não somente das áreas da saúde como também da assistência social, da cultura e da educação, buscando trabalhar o tema de forma ampla.
Um exemplo dessa forma de atendimento, considerando e integrando o território, ou seja, valorizando os elementos do local ou região em que a pessoa a ser atendida vive, e os conhecimentos dos pacientes ao processo terapêutico, é uma das iniciativas que Ademiel desenvolveu no período em que trabalhou em um CAPS Álcool e Drogas. De forma coletiva, a equipe criou um jornal em que eram abordadas questões da região e do cotidiano de seus moradores. O primeiro passo era realizar a reunião de pauta, em que os pacientes apresentavam suas ideias de matérias. Na sequência, iam às ruas, juntos, produzir as reportagens.
– Depois, discutíamos como o jornal fazia sentido para eles. Isso é terapia. A ideia do CAPS é a construção do cuidado em liberdade, em que a gente tenta criar, de algum modo, um espaço no qual os saberes da equipe produzem uma terapêutica, mas que os saberes dos usuários também sejam inclusos na terapia – enfatiza.
Integração
Para a equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF) que atua na Unidade de Saúde Santíssima Trindade, localizada no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre, quando se fala em saúde mental, não é possível ignorar as questões próprias do território, que afetam diretamente o psicológico das pessoas. Michele Viegas, uma das assistentes sociais da unidade, percebe que o adoecimento da população está diretamente ligado com suas condições de vida.
– Atendemos, por exemplo, uma situação de ansiedade e depressão, e quando vamos conversando com esta pessoa, percebemos que ela está desempregada, tem cinco filhos e está com seu benefício social cortado. Estamos inseridos em um espaço que tem muitas vulnerabilidades e com ausências de políticas públicas – pontua.
A própria formação de um NASF prevê sua construção a partir das demandas do local onde será inserido. São equipes em que profissionais de diferentes áreas atuam com o objetivo de ampliar as ações da atenção básica. A Unidade Santíssima Trindade integra os 12 postos de saúde administrados pelo Grupo Hospitalar Conceição, localizados na zona norte da Capital, que também é responsável por três CAPS na região. Todos os postos do GHC possuem equipes do NASF.
Apesar de as unidades especializadas serem as responsáveis por tratar os casos crônicos, devido à alta demanda por atendimento, algumas unidades básicas da RAPS assumem importante papel no acolhimento dos quadros de saúde de diferentes níveis de gravidade. Não sendo possível oferecer psicoterapia para todos os pacientes, outras atividades são pensadas para integrar os processos de cuidado. São promovidas terapias em grupo, oficinas de artesanato, cultivo de hortas e até a parceria com serviços da própria comunidade, como aulas de capoeiras e práticas esportivas.
João Paulo Pinheiro, psicólogo da unidade, completa afirmando que, quando um paciente precisa ser acompanhado semanalmente, nem sempre é um psicólogo que fará esse atendimento:
– A gente privilegia muito a construção de vínculos. Se um agente comunitário, que mora no bairro e faz parte do território, conhece aquela família e já tem um vínculo com ela, muitas vezes vai ser esse agente a sua principal referência, e não necessariamente o psicólogo. Porque estamos pensando a saúde mental em um contexto de cuidado nas relações.
Produção: Émerson Santos
DG
Foto: Felix Zucco / Agencia RBS / Agencia RBS
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