Nos últimos meses, a repetição de protestos organizados por catadores informais de resíduos recicláveis contra a fiscalização da prefeitura revela um aumento da disputa por materiais reaproveitáveis, como papel, plástico e metal descartados em Porto Alegre.
Segundo avaliação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, esse acirramento é provocado pelo aumento da miséria, que leva um número crescente de famílias a buscar sustento no lixo. Além disso, há a fiscalização imposta pelo município contra a coleta irregular com o objetivo de manter em pé um modelo de limpeza urbana que se apoia em unidades de triagem conveniadas com o poder público – afetadas atualmente por uma queda progressiva da matéria-prima disponível. Nos próximos dias, após ofertas anteriores terem sido rejeitadas por representantes dos coletores, deverá ser apresentada uma nova proposta de regularização de quem atua irregularmente.
O modelo de gestão desses resíduos adotado pela Capital prevê que a coleta é competência do poder público, que encaminha os materiais para 16 galpões de triagem conveniados e outros três em fase de regularização, nos quais trabalham famílias de baixa renda. A parceria com a prefeitura prevê a adoção de medidas que reduzem riscos de contaminação do ambiente, como a correta destinação dos rejeitos não reaproveitáveis.
Nos últimos anos, porém, o agravamento da crise econômica leva um número cada vez maior de coletores informais a retirar por conta própria os materiais recicláveis das ruas. Isso diminui o volume de carga disponível para as unidades de triagem, que já deixaram de funcionar em alguns dias da semana em razão da falta de matéria-prima.
Conforme reportagem publicada em GZH, A proporção da coleta seletiva no volume total de lixo recolhido na cidade despencou de cerca de 7% até 2015 para 4,5% atualmente – em parte pelo descarte incorreto realizado pela população, mas também pela ação dos coletores não conveniados com o município, que levam esse material para locais sem controle. Para evitar um agravamento ainda maior desse cenário, o município tem fiscalizado os coletores clandestinos e aplicado multas que têm insuflado os recentes protestos.
– A crise econômica nacional radicalizou a pobreza. Além da fome, falta dinheiro para pagar água, luz. A prefeitura, por outro lado, além de cumprir a legislação, precisa seguir a opção que fez há mais de três décadas de estimular que os catadores se agrupem em cooperativas. Nenhum governo mudou isso desde então, e o nosso não mudará – garante o secretário municipal de Desenvolvimento Social, Léo Voigt.
Representante dos catadores, Venâncio Castro, 64 anos, afirma que a prefeitura não apresentou propostas capazes de satisfazer a categoria, que se mantinha desde a véspera até a tarde desta terça-feira (30) diante do Paço Municipal com faixas e cartazes pedindo o fim das punições.
– Queremos uma solução viável para os catadores autônomos, e que parem de aplicar multas que chegam a R$ 7 mil cada uma. Tem companheiro devendo R$ 90 mil, isso é um absurdo – afirma Castro.
Voigt afirma que simplesmente autorizar a coleta irregular fragilizaria o sistema atual baseado no funcionamento de galpões de triagem conveniados com a prefeitura, e afirma que o município já apresentou propostas como a formação de uma cooperativa de triagem para trabalhar com resíduos entregues pelo DMLU ou testar a capacidade de coleta direta desses catadores em um projeto-piloto em alguma região específica da cidade.
– Neste momento, as ofertas não estão sendo aceitas. Querem apenas a liberalização da atividade (não regularizada), sem nenhuma aplicação de multa. Com isso, não podemos nos comprometer – sustenta o secretário de Desenvolvimento Social.
A assessora técnica de duas unidades de triagem da Capital Simone Pinheiro acredita que será preciso buscar um modelo de gestão que mantenha o sistema atual funcionando, mas contemple o novo contingente de pessoas que tentam sobreviver dos resíduos:
– Aumentou muito o número de catadores nas ruas. Achamos que tem resíduo pra todo mundo, mas é preciso gerenciamento. Nossas 16 unidades conveniadas precisam ter licença ambiental, operacional, por exemplo.
Um novo conjunto de propostas deverá ser apresentado aos coletores nos próximos dias por meio de um trabalho de intermediação que envolve a prefeitura e órgãos como Defensoria Pública, Ministério Público e Ministério Público do Trabalho.
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