Exclusivo: representante dos motoristas diz que grupo não aceita ficar de fora do debate sobre regulamentação
Presidente da Federação dos Motoristas de Aplicativo do Brasil diz que foco não deveria ser a previdência, mas a garantia de ganhos mínimos por hora trabalhada.
Na segunda-feira (24), o presidente da Fembrapp (Federação dos Motoristas de Aplicativo do Brasil) e motorista de aplicativo, Paulo Xavier Junior, afirmou, em entrevista exclusiva para o 55, que a democratização do processo para a regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo não está acontecendo.
Segundo ele, em 2017, as associações de motoristas de aplicativo conseguiram participar ativamente do processo de implantação da Lei 13.640, que foi sancionada em 2018 e que regulamenta o transporte por aplicativo no Brasil. No entanto, desde janeiro, os condutores têm tentado garantir um lugar na mesa, porém sem sucesso.
“No governo passado, as conversas para a regulamentação foram iniciadas e chegamos a montar o grupo de trabalho. Com o fim do governo, o processo não foi concluído. Este ano, por meio do envio de e-mails para as secretarias e órgãos do Estado, demos início às tentativas de fazer parte da mesa. Até agora, tivemos duas reuniões virtuais: uma com a Secretaria Nacional de Economia Solidária e outra com as Superintendências Regionais do Trabalho. Para essas reuniões, nós montamos uma comissão com as lideranças das associações que fazem parte da Fembrapp e recebemos uma promessa de participação, mas até agora, temos avançado pouco nesse sentido. Não conseguimos deliberar e definir quem irá compor o grupo de trabalho. O governo está tentando criar uma narrativa de que não há representatividade, mas isso não é verdade. Percebemos que o governo prioriza as centrais sindicais e está deixando as associações de fora, mas é importante frisar que a maioria desses sindicatos não é composta por motoristas e, portanto, não nos representa”, afirma Paulo.
‘Os ganhos diminuem, e os gastos aumentam’
Sobre os pontos cruciais que não podem ficar de fora para uma possível regulamentação, o presidente da Fembrapp destaca a importância de garantir um ganho mínimo financeiro para o motorista, bem como protegê-los de corridas que oferecem valores muito baixos. Ele explica que, ao longo dos anos, os motoristas de aplicativo tiveram muitas perdas financeiras devido à alta dos custos com combustível e outros gastos, enquanto a remuneração por hora trabalhada diminuiu. Isso fez com que muitos motoristas precisassem dobrar a jornada de trabalho para obter um resultado financeiro satisfatório, o que é prejudicial para a saúde e segurança do trabalhador.
“A corrida mínima do motorista, em 2017, era de R$ 7,75 na Uber. Hoje é R$ 5,00, R$ 5,80, dependendo da praça, tem uma variação de cidade para cidade. Em Belo Horizonte, por exemplo, está R$ 5,87. Além disso, antes um carro popular custava R$35 mil e hoje você não encontra nenhum por menos de R$ 65 mil. Se fizermos um gráfico, os ganhos diminuem e os gastos aumentam. E muitas vezes o motorista não tem tempo para fazer as contas: as corridas vão chegando, os motoristas vão aceitando e no final podem acabar tendo prejuízo. Nesse sentido, a fim de garantir transparência nos custos e nos gastos dos motoristas, nós desenvolvemos um trabalho para apresentar ao Ministério do Trabalho que retrata a nossa realidade diante do cenário atual”, explica o motorista.
O presidente da Federação não revelou os números do trabalho, mas afirmou que, com ele, seria possível chegar a um cálculo de ganho mínimo por hora trabalhada a depender do local em que o motorista trabalha.
Modelo de ‘leilão’ e descaso com motoristas
Paulo ainda critica o modelo de ‘leilão’ adotado pelo algoritmo das plataformas, que, segundo ele, oferece valores baixos aos motoristas em momentos de baixa demanda. “O algoritmo das plataformas opera como uma espécie de leilão. A ferramenta sabe se, por exemplo, em uma região estão dez motoristas e apenas dois usuários acessando o aplicativo e, a partir disso, apresenta um valor para o usuário. Se o valor for muito baixo e nenhum motorista aceitar a corrida, ela aumenta esse preço. Do outro lado, se há uma demanda alta de passageiros e baixa de motoristas, ela aumenta ainda mais o valor, e assim o leilão acontece. Nem os usuários e nem os motoristas têm acesso a essas informações, o que é ruim para todos”.
Outra crítica do presidente foi aos banimentos e cortes que as plataformas realizam aos condutores de forma unilateral. “Se algum usuário registra alguma queixa contra algum motorista, ele é cortado da plataforma. O motorista não tem direito de resposta e de apresentar a sua versão, a não ser que ele vá à justiça. A Constituição prevê isso, mas muitas vezes, devido aos custos envolvidos, não vale a pena para o trabalhador. Como a demanda de motoristas é muito grande, a plataforma prefere cortá-los sem ouvir o nosso lado. Nós nos sentimos muito desrespeitados”.
Contribuição social já é obrigatória
Xavier destaca que a regulamentação da Lei 13.640 já prevê a obrigatoriedade dessa contribuição ao INSS, e que a maioria dos motoristas é favorável a isso, por entender que é importante para a proteção do próprio trabalhador em casos de doença, afastamento ou para seus dependentes. O presidente sugere que a fiscalização da efetiva contribuição poderia ficar a cargo das plataformas de aplicativo, que já possuem ferramentas suficientes para fazer esse tipo de controle.
“Entendemos que o atual governo tem um interesse arrecadatório e valoriza o lado sindical. Por isso, sentimos que eles estão impondo uma regulamentação nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho para tornar o motorista ativo. Além disso, não temos nenhum vínculo com os sindicatos: nenhuma associação de motoristas possui carta sindical. Estamos vendo uma certa resistência e dificuldade para que as associações participem do grupo de trabalho, justamente por conta disso: eles querem forçar uma representatividade totalmente sindical. Reforço que quando o governo afirma que o debate para a regulamentação está atrasado por conta da ausência de lideranças por parte dos motoristas, não é verdade”, afirma Paulo quando perguntado sobre a relação com os sindicatos.
Intermédio entre regime CLT e autônomo
De acordo com o condutor, já que a maioria dos motoristas não quer atuar em regime CLT, o modelo de trabalho ideal para a categoria seria algo intermediário entre CLT e autônomo. Esse modelo definiria um ganho mínimo para os motoristas, e que há duas opções possíveis para essa abordagem de remuneração: pagamento por quilômetro rodado e tempo ou pagamento por hora disponível. Ele afirmou que a abordagem seria mais justa para os motoristas, já que os carros são desgastados por quilômetros rodados e tempo.
Questionado sobre as expectativas futuras, Paulo se mostra otimista. “Acreditamos que esse projeto não será rápido: terá uma tramitação bem longa ainda no Congresso. As próximas semanas serão decisivas, mas não aceitaremos de forma alguma ficar fora desse debate. Se isso acontecer, estaremos lutando de todas as formas possíveis para que os motoristas tenham voz. Mas acredito que no final, teremos uma participação efetiva e que a democratização deste processo será bem-sucedida”.
Fonte: 55 Content.
Imagem: Diário do Transporte
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